Padres da Igreja: Catequese de S. Ambrósio sobre Eucaristia

29 de junho de 2011 às 10:43 | Publicado em Patrística | Deixe um comentário
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Por quê? “Porque os teus seios são melhores do que o vinho” (Ct 1,1), isto é: teus pensamentos, teus sacramentos são melhores do que o vinho, daquele vinho que, embora tenha suavidade, tenha alegria, tenha gosto agradável, no entanto há nele uma alegria deste mundo, enquanto em ti há alegria espiritual.

Santo Ambrósio, sobre os sacramentos, Livro V,  II, 8.

Ontem, o nosso sermão e instrução chegou até os sacramentos do santo altar e soubemos que a figura desses sacramentos foi anterior a Abraão, quando o santo Melquisedec, “que não tem início de dias, nem fim”, ofereceu um sacrifício. Ouve, ó homem, aquilo que o apóstolo Paulo diz aos hebreus. Onde estão aqueles que dizem que o Filho de Deus é temporal? Foi dito que Melquisedec não tem início de dias, nem fim. Se Melquisedec não tem início de dias (Hb 7,3), pode Cristo tê-lo? A figura não é mais do que a realidade.  Vês, portanto, que ele é o “primeiro e o último” (Ap 1,17); primeiro, porque é o criador de tudo; último não porque terá fim, mas porque completa tudo.

Dissemos que o cálice e o pão têm lugar sobre o altar. O que se coloca no cálice? Vinho. E o que mais? Água. Tu, porém, me dizes: “Como assim? Melquisedec ofereceu pão e vinho. O que significa a mistura de água?” Ouve o motivo.

Antes de tudo, a figura que a precedeu, no tempo de Moisés, o que contém? Como o povo dos judeus  tivesse sede e murmurasse porque não podia encontrar água, Deus ordenou a Moises que tocasse a rocha com a vara. Tocou a rocha e a rocha jorrou a corrente abundante, tal como o apóstolo diz: “eles bebiam da rocha que o acompanhava, ora, a rocha era Cristo” (1 Cor 10,4). Não uma rocha imóvel, pois ela acompanhava o povo. Bebe também tu, para que Cristo te acompanhe. Vê o mistério! Moisés, isto é: um profeta; com a vara, isto é: com a palavra de Deus, a água flui e o povo de Deus bebe. O sacerdote, portanto, toca o cálice, a água extravasa no cálice, jorra para a vida eterna (Jo 4,14), e o povo de Deus obteve a graça bebe.

Aprendeste, portanto, isso. Escuta também outra coisa. No tempo da paixão do Senhor, como o grande sábado se aproximasse, porque o nosso Senhor Jesus Cristo ainda vivia e também os ladrões, foram enviados pessoas para os ferirem. Ao chegar, encontraram nosso Senhor Jesus Cristo morto. Então um dos soldados atingiu o lado dele com a lança e do seu lado saiu água e sangue (Jo 19, 31-34). Po que água? Por que sangue? Água para purificar, sangue para redimir. Por que do lado? Porque onde há culpa, aí também há graça. Culpa veio pela mulher, a graça por nosso Senhor Jesus Cristo (Jo  1, 17).

Tu te aproximaste do altar. O Senhor Jesus chama a ti, ou a tua alma ou tua Igreja e diz: “Que ele me beije com beijos de sua boca” (Ct 1,1). Queres aplicar isso a Cristo? Nada mais agradável. Queres aplicar a tua alma? Nada mais doce.

Que ele me beije. Ele vê que és puro de todo o pecado, porque tuas faltas foram lavadas. Por isso, te julga digno dos sacramentos celestes e, por isso, te convida para o celeste convívio: Que Ele me beije com beijos de sua boca.

Entretanto, pelo que segue, tua alma ou condição humana ou a Igreja, vendo-se purificada de todos os pecados e digna de poder se aproximar do altar de Cristo (Ct 4,7) – o que de fato, o altar de Cristo senão imagem do corpo de Cristo? – vê os admiráveis sacramentos e diz: “Que me beije com beijos de sua boca”, isto é, que o Cristo me dê um beijo.

Por quê? “Porque os teus seios são melhores do que o vinho” (Ct 1,1), isto é: teus pensamentos, teus sacramentos são melhores do que o vinho, daquele vinho que, embora tenha suavidade, tenha alegria, tenha gosto agradável, no entanto há nele uma alegria deste mundo, enquanto em ti há alegria espiritual. De fato, Salomão já representa as núpcias, seja de Cristo com a Igreja, seja do espírito com a carne, seja do espírito com a alma.

E acrescenta: “Teu nome é um perfume que escorre; por isso, as donzelas te amaram” (Ct 1,2). Quem são essas donzelas, senão todas as almas que depuseram a velhice deste corpo, renovada pelo Espírito Santo?

“Atrai-nos, e correremos atrás do odor de teus perfumes” (Ct 1,3). Vê o que ele diz: “Não podes seguir a ele, diz: “Quando eu for exaltado, atrairei todas as coisas a mim” (Jo 12,32).

“O rei introduziu-me em seu aposento” (Ct 1,4). O grego diz: “Em sua dispensa” ou “em seu celeiro”, lá onde existe boas bebidas, bons perfumes, mel doce, diversos frutos, várias iguarias, para que tua refeição seja reforçada com numerosas iguarias.

Portanto, te aproximaste do altar, recebeste o corpo de Cristo. Escuta de novo quais sacramentos recebeste. Ouve o que diz o santo Davi. Ele previa no Espírito estes mistérios, alegrava-se e dizia que nada lhe faltava. Por quê? Porque quem recebe o corpo de Cristo jamais passará fome (Jo  6,35).

Quantas vezes ouviste o salmo 22 e não entedeste. Vê como ele se aplica bem aos celestes sacramentos. “O Senhor me apascenta e nada me faltará. Ele me colocou em um lugar de pastagem. Ele me conduziu junto à água que me reconforta, ele converteu a minha alma. Mesmo que eu caminhe na sombra da morte, não temerei os males, porque estás comigo. O Teu cetro e o teu cajado me sustentam”. O cetro é o poder, o cajado é o sofrimento, isto é, a eterna divindade de Cristo, mas também o seu sofrimento corporal; aquela criou, este redimiu. “Preparaste uma mesa diante de mim contra aqueles que me atribulam. Ungiste a minha cabeça com óleo e o teu corpo inebriante, que é excelente” (Sl 22. 1-5).

Vós se aproximastes do altar, recebestes a graça de Cristo, obtivestes os sacramentos celestes. A Igreja se alegra com a redenção de muitos e se rejubila com exultação espiritual por ter junto a si uma família vestida de branco. Encontras isso no Cântico dos cânticos. Ela, que se alegrou, invoca Cristo, tendo preparado um banquete que parece digno de festim celeste. Por isso, diz: “Que meu irmão desça ao seu jardim e colha os frutos de suas árvores” (Ct 5,1). O que são árvores frutíferas? Em Adão, tu te transformaste em lenho seco, mas agora, pela graça de Cristo, estais cheios de árvores frutíferas.

O Senhor aceitou a boa vontade e respondeu à sua Igreja com bondade celeste: “Desci ao meu jardim, colhi mirra com meus perfumes, comi meu pão com meu mel, bebi o meu vinho com o meu leite”. Ele diz:  “Comei, meus irmãos, e inebriai-vos” (Ct 5,1)

Colhi mirra com meus perfumes. O que esta vindima? Procurai conhecer a vinha e conhecereis a vindima. Ele diz: ”Transplantaste do Egito a minha vinha” (Sl 79,9), isto é, povo de Deus. Vós sois a vinha, vós sois a vindima; plantados como vinha, destes frutos como uma vindima. Colhi mirra com meus perfumes, isto é, no odor que recebestes.

Comi meu pão com meu mel. Vês que nesse pão não há nenhuma amargura, mas é todo doçura. Bebi o meu vinho com o meu leite. Vê que se trata de uma alegria que não foi contaminada pelas sujeiras de nenhum pecado. Assim, todas as vezes que bebes, recebes a remissão dos pecados e te inebrias no Espírito. Por isso, o apóstolo também diz: “Não vos inebriais com o vinho, mas enchei-vos do Espírito” (Ef 5,18). Quem embriaga com o vinho tropeça e titubeia: quem inebria com o Espírito está enraizado em Cristo. É, portanto, uma excelente embriaguez que se realiza na sobriedade da mente. São essas coisas sobre os sacramentos que expusemos brevemente.

Ambrósio de Milão / [introdução e notas explicativas Roque Frangiotti; tradução Célia Mariana Franchi Fernandes da Silva]  – São Paulo: Paulus, 1996. [Patrística]. Páginas 61-65

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Sempre recomendo aos salmistas que busque os ensinamentos dos Padres da Igreja para aprofundar a liturgia do dia e ainda mais os sentidos dos cantincos.

Fiz questão de expor essa catequese maravilhosa de Santo Ambrósio sobre a Eucaristia. Ele as proferiu aos catecúmenos de outrora e que servem para nós também.

 

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